quarta-feira, 23 de maio de 2012

Pelos campos do Senhor.


25/12/1988 – nasci. Com bem poucos meses, um dono ganhei. Não sabia o que viria pela frente. Num lugar estranho, vida principiei.

Meu dono era um cara estranho. Sabia que gostava de mim. Ele vinha dormir comigo pra me consolar com um carinho quando eu acordava a noite e não tinha mais irmãozinho nenhum por perto. Ele não gostava de me ver triste. Quando eu cresci, ele me ensinou brincar de bolinha, de correntinha, de procura. Quando eu queria brincar, pegava a bolinha e dava pra ele. Ele jogava e eu ia buscar; pra sair então, eu pegava a correntinha e levava pra ele. Ele colocava aquilo no meu pescoço e a gente ia passear. Engraçado que ele dizia pra mim “vamos passear” justo na hora que eu queria fazer xixi.

Haaa... quando a gente estava na rua, ele ficava sempre falando: “vamos Tobi, vamos. Faz um xixizão bem grandão, bem grandão mesmo” Eu fazia. Depois ele apontava com o dedo pra um toco ou uma plantinha qualquer e dizia: “vai, Tobi vai... faz outro xixizão aqui”. Eu fazia. Como é que ele sabia que eu queria fazer mais ? Bem, o tempo foi passando e ele leu um livro. Lá estava escrito que os meus irmãozinhos tinham cara de palhaço, mas uma inteligência de Chaplim. Ai que minha mãe, a mãe dele também, começou a me chamar de palhaço. Bom, como eu não sabia, comecei a atender o chamado dela quando eles falavam palhaço. Ele era um pouco diferente. Ele falava PAIAÇO. Dava tudo na mesma. Bem, os anos foram passando e ele me ensinou o que eram gatos. Eu não sei porque mas ele sabia que eu não gostava de gatos. Ele dizia assim pra mim “olha só o gatão; aquele bicho malvado. Procura um gatão perigoso, daqueles bem grandão”. Quando ele falava isso, falava de um jeito diferente. Às vezes ele me levantava, encostava minhas mãos no portão e apontava com o dedo me mostrando a rua. Eu ficava procurando. Fosse o que fosse que mexe-se, eu ficava bem atento pra ver se era o gatão malvado e perigoso... o tal gatão semvergonhoso. Eu gostava quando ele me catava pelas orelhas fazendo de conta que era um cachorrão. Eu fingia que ficava bravo e queria morder ele. Quando ele se cansava, lá ia eu pedir pra ele brincar de catar nas orelhas um pouco mais. Um dia uma veia se rompeu e a minha orelha ficou gordinha. Me levaram num homem vestido de branco que fez uma operação em mim mas não funcionou direito. Eu perdi uma parte da orelha. Fiquei chateado porque depois disso, ele brincava comigo de um jeito diferente, sem puxar muito. Bom, cada vez que a minha primeira mãe vinha aqui, eu gostava. Fazia um barulhão pra mostrar meu carinho e ele vir fazer carinho em mim. Era gostoso mas ela passou a não vir mais. Bom, o tempo foi passando e ele arrumou uma cachorrinha, a Zulu. Na verdade ela já existia. Eu que fui arrumado pra ela. Quando ela estava mais gostosa, a gente brincava de um jeito diferente. O meu dono é que não gostava muito disso. Um dia a Zulu teve um monte de filhinhos. A Dina, Gota, o Dino e um outro que eu nem me lembro o nome. O Dino foi embora e a Dina e a Gota ficaram. A Zulu, uns após depois ficou doente e foi embora. A gota fez o mesmo caminho. Trouxeram então o Parafuso. Esse ai era burro. Foi embora junto com a Dina e um outro que eu nem me lembro mais o nome também para um sitio. Bom aqui comigo ficaram o Leão e o Tição. O Tição não entendia que o meu corpinho já não era o mesmo. Nas brincadeiras, ele sempre batia em mim me jogando no chão. O Leão já era mais quieto. Não era tão chato. Engraçado que eu não queria mais brincar. Um monte de dentes eu já tinha perdido. No começo meu dono fazia uma escovação nos dentes mas não adiantou muito. Eu já estava velhinho. Uns tempos depois, eu voltei a fazer xixi do mesmo jeito que quando era pequeno porque já não dava mais pra ficar equilibrado. Algumas vezes até o meu dono segurava minha perninha em pé pra mim fazer xixi mas era a mesma coisa. Fui ficando surdo, perdendo visão. Nessa época, eu mais me guiava pelo nariz. Me levaram num medico mas não adiantou muito. O homem disse que poodle era assim Quando eu andava, dava trombadas em um monte de lugares. Num sábado, meu dono achou um ferimento perto do meu olho. Me levou no medico, agora uma mulher. Essa moça naquele sábado fez uma operação em mim. Tirou um monte de bichinhos do meu olho. Disse pra ele voltar na segunda feira pra tirar o olho fora. Bem, na segunda ele foi lá comigo. Eu não tinha conseguido comer nada entre o sábado e a segunda. Bom, nesse dia ele ficou bravo com ela. Os dois brigaram. Ela disse que se eu não resistisse, ia me sacrificar. Ele perguntou: “se ele morrer, pra que você sacrificar?" Ela só sabia falar em dinheiro. Ele não. Me queria bem.

Não me queria ver sofrer e foi embora. Telefonou para o João mas nada, pra outro camarada e nada também. Até que ligou pro primeiro homem de branco. Me colocou numa caixinha e me levou lá. Eu já não via mais nada. Apenas sentia que ele não me queria mais por lá. No começo eu estranhei mas daí entendi o que ele queria. Não tive medo. Sabia que ele estava procurando alguma coisa boa pra mim. Ele me colocou numa mesinha e foi embora. Eu pensei que ele iria embora para sempre, mas percebi que não. Ele tinha voltado com o homem de branco. O medico me deu uma injeção na perninha. Eu comecei a ficar tonto. Depois vi que eu já não estava mais lá. Não sei porque o meu dono estava do lado de um cachorro parecido comigo. Engraçado que ele chorava muito. Eu não entendi o porque daquilo até a hora em que vi uma terra esquisita, toda nova. A Zulu com todo mundo estavam lá. Me disseram assim : vem pra cá. Esse lugar aqui é muito bom. Da pra brincar direitinho como antes. Quando perguntei o nome daquele lugar, eles me disseram: esse lugar aqui são os campos do Senhor.

Não chora mais meu dono. Lembra que no começo eu achei que você era meu irmão porque dormia comigo e me dava carinho quando eu acordava com medo ? Não se preocupa não. Eu prometo que volta e meia estarei ao lado de tua cama te confortando mesmo estando longe mas nos campos do Senhor.

TOBI

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